Organizações da sociedade civil prometem levar à Justiça o processo de licença do Ibama que autoriza a Petrobras a perfurar poços na bacia sedimentar da Foz do Amazonas, uma área conhecida como Margem Equatorial. Ambientalistas e cientistas avaliam que a medida pode agravar o aquecimento global ao impulsionar a exploração de combustíveis fósseis.
“A aprovação é uma sabotagem à COP e vai na contramão do papel de líder climático reivindicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no cenário internacional. Também cria dificuldades para o presidente da COP, André Corrêa do Lago, que precisará explicar o ato aos parceiros internacionais do Brasil”, diz um comunicado do Observatório do Clima. “A decisão é desastrosa do ponto de vista ambiental, climático e da sociobiodiversidade.”
Em nota, o Ibama argumentou que “a emissão da licença ocorreu após rigoroso processo de licenciamento ambiental, que contou com elaboração de Estudo de Impacto Ambiental, realização de três audiências públicas, 65 reuniões técnicas setoriais em mais de 20 municípios dos estados do Pará e do Amapá, vistorias em todas as estruturas de resposta à emergência e unidade marítima de perfuração, além da realização de uma Avaliação Pré-Operacional, que envolveu mais de 400 pessoas, incluindo funcionários e colaboradores da Petrobras e equipe técnica do Ibama”.

A emissão da licença para o Bloco 59 é uma “dupla sabotagem”, na avaliação da coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, Suely Araújo. “Por um lado, o governo brasileiro atua contra a humanidade, ao estimular mais expansão fóssil contrariando a ciência e apostando em mais aquecimento global. Por outro, atrapalha a própria COP30, cuja entrega mais importante precisa ser a implementação da determinação de eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. Lula acaba de enterrar sua pretensão de ser líder climático no fundo do oceano na Foz do Amazonas. O governo será devidamente processado por isso nos próximos dias”, prometeu ela.
Decisão política
Para a diretora-executiva do Instituto Arayara, Nicole Oliveira, a decisão do Ibama tem caráter político, e não técnico. “O valor de uma sonda jamais pode se sobrepor ao valor da vida das comunidades amazônidas, à biodiversidade ou ao equilíbrio climático do planeta”, disse ela. “A Petrobras, responsável por 29% de todos os novos projetos fósseis da América Latina, é a principal protagonista da expansão fóssil no continente. Ao insistir na perfuração do bloco 50, ela se consagra como a Líder Continental da Não Transição Energética.”
Já o cientista Carlos Nobre, copresidente do Painel Científico para a Amazônia, alerta que a Amazônia está muito próxima do ponto de não retorno. “Isso será irreversivelmente atingido se o aquecimento global atingir 2°C e o desmatamento ultrapassar 20%. Além de zerar todo desmatamento, degradação e fogo na Amazônia, torna-se urgente reduzir todas as emissões de combustíveis fósseis. Não há nenhuma justificativa para qualquer nova exploração de petróleo”, afirmou.

Os ambientalistas também afirmam que a liberação do petróleo na Foz se opõe a decisões legais de tribunais internacionais sobre a urgência da interrupção da expansão dos combustíveis fósseis, incluindo deliberações recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Internacional de Justiça, que reforçam a obrigação legal dos Estados-nação de protegerem o clima.
“Essa decisão contraria os compromissos com a transição energética e coloca em risco as comunidades, os ecossistemas e o planeta. Ao contrário do que alegam, os recursos do petróleo pouco investem na transição, sendo apenas 0,06%. Precisamos de um acordo global para eliminar a extração de petróleo de forma justa, equitativa e sustentável. Até lá, o mínimo que temos que fazer é impedir sua ampliação”, disse Clara Junger, coordenadora da Iniciativa do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.
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Pesquisa exploratória
A Petrobras celebrou a licença de operação do Ibama para a perfuração de um poço exploratório no bloco FZA-M-059, localizado em águas profundas do Amapá, a 500 km da foz do rio Amazonas e a 175 km da costa. A sonda se encontra na locação do poço e a perfuração está prevista para ser iniciada imediatamente, com a duração estimada de cinco meses, segundo a empresa. Não há produção de petróleo nessa fase, apenas pesquisa exploratória para avaliar se há petróleo e gás na área em escala econômica.

Em nota, a presidente da Petrobras, Magda Chambriard, afirmou que a licença é uma “conquista da sociedade brasileira”. “Foram quase cinco anos de jornada, nos quais a Petrobras teve como interlocutores governos e órgãos ambientais municipais, estaduais e federais. Nesse processo, a companhia pôde comprovar a robustez de toda a estrutura de proteção ao meio ambiente que estará disponível durante a perfuração em águas profundas do Amapá. Vamos operar na Margem Equatorial com segurança, responsabilidade e qualidade técnica”, disse ela.
No entanto, Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe, acredita que autorizar novas novas frentes de petróleo na Amazônia é insistir em um modelo que não deu certo. “A história do petróleo no Brasil mostra isso com clareza: muito lucro para poucos, e desigualdade, destruição e violência para as populações locais. O país precisa assumir uma liderança climática real e romper com esse ciclo de exploração que nos trouxe até a crise atual”, afirmou.
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