Designer, arquiteto e criador cultural, Virgil Abloh foi o fundador da Off-White, o primeiro homem negro a liderar a direção criativa da linha masculina da Louis Vuitton e uma das figuras mais influentes da interseção entre moda, arte e cultura no século 21.
Tomando conta de dois andares do Grand Palais (local histórico que abriga feiras de arte e frequentemente os desfiles da Chanel), já na entrada, algumas das criações mais icônicas de Abloh lado a lado são exibidas como instalação.
Ao contrário de uma exposição tradicional, com plaquinhas de explicação e layout organizado, aqui o espaço é tomado pelo arquivo do artista, exposto da mesma forma livre e expansiva que ele trabalhava. Um manifesto visual com 20 mil objetos de acervo (protótipos, esboços, roupas, itens pessoais, imagens), uma viagem no tempo e uma prova viva de quão moderna sempre foi a visão do designer.
A curadoria (assinada pela equipe do estúdio Virgil Abloh™ e com apoio da família) optou por uma cenografia que lembra mais uma pop-up do que um museu. Tudo disposto como se o visitante estivesse caminhando pelo HD interno de Abloh, num espaço que é ao mesmo tempo memorial, estúdio e oficina.

Em um mesmo corredor, você via:
- Inúmeras peças da Off-White, com camisetas e jaquetas expostas de maneiras variadas.
- A histórica collab com a Nike com 200 pares à mostra, incluindo um mockup do primeiro modelo.
- Modelos da Louis Vuitton criados com seu estilo collage, unindo cultura com tradição. Inclusive com uma reprodução fiel do estúdio no QG da maison.
- Uma vitrine com frases escritas em Helvetica: “You’re obviously in the wrong place.”
Nada ali era aleatório. Cada escolha foi feita para expor, de forma estratégica, os pilares que moviam sua criação e que continuam influenciando a cultura mesmo após sua morte precoce, em 2021.
os códigos visíveis (e invisíveis) da exposição de Virgil Abloh
Virgil agia como um tradutor cultural: embaralhando hype, meme, discurso, produto e conceito. Seu pensamento de design ecoava o dadaísmo, a arte absurda e o rap. A regra dos 3% — ideia de que basta alterar minimamente algo existente para transformá-lo em algo novo — atravessa toda a mostra. Esses ensinamentos eram disseminados constantemente pelo norte-americano, e uma sala contava com telão passando momentos importantes de sua trajetória, entre eles a palestra de Harvard que é dica para assistir já.
Criando em cima de objetos simples, não à toa camisetas e tênis eram algumas de suas bases favoritas, era através de linguagem e simbologia (e uma boa dose de ironia) que ele trazia o novo. Citações, aspas, “sacadas literais”: bolsas com “SCULPTURE”, gravatas com aspas com a frase “a formality”, expondo os significados além do objeto material, o jogo entre o literal e o conceitual.
O conceito de sample, popular no rap, era transferido para seus designs: remix de objetos e projetos, customizações e colaborações com assinatura própria aplicados em bolsas da Louis Vuitton, malas da Rimowa, caminhonetes da Mercedes, tapetes da IKEA ou garrafas de água da Evian. Esse pensamento de remix e apropriação também aparecia na estrutura da mostra, com uma pop-up da saudosa boutique Colette recriada no interior do Grand Palais, dentro da lógica que ele chamava de “retail como plataforma cultural”. E um laboratório interativo permitia que visitantes customizassem criações, aplicando, na prática, o design como processo vivo.

Democratização: não existiam fronteiras do que poderia ou não virar objeto de interesse e ser apresentado como arte ou produto. E nem hierarquia. Para ele, parceria da Nike com Michael Jordan, era tão significativa para a história dos EUA quanto um carro da Ford ou uma cadeira de Charles Eames.
Colisões disciplinares: moda, design, arquitetura, música, arte gráfica. Nada estava fora do escopo. Virgil se formou em arquitetura, mas também era skatista, DJ, escultor, estilista e designer industrial, exercendo e mesclando todas suas expertises ao longo da trajetória profissional.
Consciência de coletivo: a exposição também não celebra apenas a figura de Abloh, mas a rede de colaboradores e comunidades que ele ativava como parte do próprio processo criativo.

No ritmo instaurado pelo streetwear e seus drops, a mostra durou apenas nove dias (de 30 de setembro a 9 de outubro), como um objeto vivo, efêmero, exclusivo.
O mais impressionante da exposição é perceber o quanto Virgil queria que víssemos o “meio do caminho”. Os protótipos inacabados. Os testes, os erros, os devaneios gráficos. O processo, em vez do resultado final. Ele passou a catalogar seu trabalho ainda na adolescência, e a obsessão por registrar tudo representa muito de sua visão viva, aberta, em fluxo. Representando, na prática, sua crença em conter multitudes, no fim do “ou”: arte ou moda, loja ou galeria, luxo ou rua. Colapsando essas dicotomias, ele criou um novo idioma que continua dando frutos.