Das redes sociais ao streaming, da internet das coisas à inteligência artificial, todos os dados que chegam até você estão sendo processados e armazenados em algum lugar.
São os chamados data centers, estruturas gigantescas, com computadores de grande porte e de última geração, e que podem chegar a consumir alguns bilhões de dólares em sua construção, dependendo do grau de sofisticação e finalidade de uso.
Apenas a expansão da inteligência artificial (IA) exige equipamentos de grande capacidade e que consomem de forma voraz um imenso volume de energia no processamento de informações. São estruturas tão complexas e estratégicas para o futuro da tecnologia que a mera definição de suas instalações tem recebido status de acontecimento geopolítico e socioeconômico.
A receita para atraí-los consiste de uma tríade básica de condições: espaço, energia e conectividade.
Um país que consiga oferecer essa tríade tem uma vaga garantida no futuro digital – e, para especialistas, o Brasil é um dos fortes candidatos para se tornar uma espécie de hub mundial desse tipo de estrutura.
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Atualmente, boa parte da infraestrutura global está dividida entre Estados Unidos, com 45% das estruturas em operação, e Europa (15%), segundo dados da empresa de rating Moody’s Local. Mas, com maior demanda por data centers (e por energia para suas operações), o segmento enfrenta dificuldades relacionadas ao fornecimento de energia e água nessas regiões para abastecê-las. As regulamentações sobre eficiência energética e emissões de carbono são aspectos cruciais para o setor num mundo que expande o uso de IA ao mesmo tempo que precisa olhar com urgência para a agenda do clima.
Os olhos das grandes prestadoras de serviços nesse setor – as quais reúnem com como clientes empresas como Amazon, Google e Microsoft – têm se dirigido para o Brasil com mais atenção, pois o país se destaca pela matriz energética diversificada, com significativa participação de fontes renováveis e abundância de recursos hídricos.
O mapa dos data centers
Os brasileiros estão em 12º no ranking mundial de data centers, logo atrás dos Países Baixos, com 195 estruturas espalhadas por 17 estados. A maior concentração, hoje, se dá no estado de São Paulo e os investimentos em infraestrutura tecnológica têm sido vultosos. Em 2023, o Brasil foi o país que mais recebeu recursos nessa área na América Latina, com um total de US$ 50 bilhões, de acordo com os dados da Moody’s Local. Confira:

Em 2024, o Brasil atingiu a marca de 93,6% de pessoas conectadas à internet, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Apesar disso, mais da metade dos dados brasileiros ainda são processados e armazenados no exterior.
Por outro lado, o impacto dessas estruturas gigantescas ao meio ambiente – e eventualmente sobre populações vizinhas – é um outro aspecto que desponta no cenário pelos desafios trazidos às companhias. Para quem toca o negócio, há exposição aos riscos de gestão da água, considerando o crescimento populacional, o aumento do consumo industrial e as mudanças climáticas.
Amazon, Google e Microsoft já têm data centers no Brasil, e a tendência é de expansão para atender um volume crescente de processamento de dados. “Isso acontece especialmente nos locais voltados para armazenamento em nuvem e inferência de inteligência artificial”, explicou Naomi Gozzi, responsável por estudos setoriais da Moody’s Local à IstoÉ Dinheiro.
O que são data centers
Os data centers são os locais físicos que abrigam servidores e sistemas usados para armazenar, processar e distribuir dados. São eles que garantem o funcionamento de sites, aplicativos e serviços de nuvem usados em computadores ou celulares. Ou seja, assistir a um filme de maneira instantânea na Netflix ou HBO Max só é possível graças à presença dessas estruturas, que separam e distribuem os dados de um filme de acordo com a localização do espectador.
Acima de tudo, são elas que garantem o bom funcionamento do ecossistema digital que integra os mais diferentes serviços prestados atualmente. As empresas clientes – nessa lista há gigantes como Amazon e Meta – podem optar pelo modelo de varejo, quando dividem o espaço de uso com outras companhias.
Metade dos data centers brasileiros está no estado de São Paulo e isso acontece devido à robusta infraestrutura e proximidade das grandes empresas e instituições financeiras do país, com destaque para a região metropolitana da capital e município de Campinas. Mas isso tende a mudar.
A ByteDance, dona do TikTok, por exemplo, acaba de anunciar a construção de um data center em Caucaia, no Ceará. A brasileira Elea Data Centers, que acaba de fechar contrato bilionário para fornecer esses serviços à Petrobras, está construindo um campus no Rio de Janeiro. O potencial do país para abrigar mais dessas gigantescas estruturas impulsiona um conjunto de iniciativas privadas e públicas.
Ainda no universo privado, Ascenty e a Equinix, nas mãos de norte-americanos (a segunda é uma das maiores do mundo no ramo), também investem no Brasil.

No caso brasileiro, a expansão dos data centers acabou se transformando ainda em política pública, com técnicos do Governo Federal circulando pelas matrizes internacionais das grandes do ramo oferecendo oportunidades por aqui. O Brasil gera quase 90% da sua energia elétrica a partir de fontes renováveis. Para efeito de comparação, a porcentagem nos Estados Unidos (atual coração geográfico do setor) é de 18%.
“Queremos mostrar que o Brasil é o lugar certo para investir, com grande destaque para a matriz energética, com fontes renováveis e grande disponibilidade de recursos hídricos. Essa junção de fatores nos deixa bem colocados para atrair investimentos”, disse o ministro das Comunicações, Frederico de Siqueira Filho, à IstoÉ Dinheiro.
Há três semanas, o presidente Luis Inácio Lula da Silva assinou a Medida Provisória (MP) que cria o Regime Especial de Tributação para Serviços de Datacenter no Brasil, o Redata – principal instrumento tributário da Política Nacional de Data Centers (PNDC). Com as novas regras, as companhias do segmento ficarão isentas de PIS/Pasep, Cofins e IPI ao comprar equipamentos destinados à implantação, ampliação e manutenção de data centers. O plano visa estimular até R$ 2 trilhões de investimento nos próximos dez anos, segundo o Ministério da Fazenda.
Efeitos do Redata já estavam previstos no pacote da reforma tributária, a qual entra em vigor de forma gradual até 2033, mas isso foi antecipado para aproveitar a boa maré em curso, de preferência a partir de 2026, caso o texto seja aprovado nos próximos meses. Outro ponto da MP prevê que os beneficiários terão que oferecer ao mercado brasileiro o mínimo de 10% da capacidade de processamento, armazenagem e tratamento de dados.
A medida é considerada essencial pelo governo, e o chefe da pasta das Comunicações acredita que o Congresso Nacional deverá apreciar o texto em breve, antes mesmo de entrar em regime de urgência no início de novembro. “O Redata vai colocar o Brasil em igualdade fiscal com outros países e possibilita a atração de oportunidades inéditas”, opina Renan Lima Alves, presidente da Associação Brasileira de Data Centers (ABDC).
A iniciativa é um dos fatores para impulsionar os movimentos da norte-americana Equinix no Brasil. Uma das maiores do mundo no setor, a companhia instalou oito data centers distribuídos por São Paulo e Rio de Janeiro entre 2013 e 2023 – com investimento da ordem de US$ 262 milhões no período (ou média de R$ 1 bilhão anuais, calcula a própria companhia).
“A partir do Redata pretendemos dobrar esse investimento nos próximos 5 anos, inclusive em parceria com grandes empresas, como a Nvidia, para acelerar o crescimento na área de inteligência artificial”, conta Eduardo Carvalho, presidente da Equinix para a América Latina.

O aumento de volume também considera o tipo de equipamento mais caro destinado aos data centers de processamento de dados para IA. Outra empresa expressiva do setor, a Ascenty, que tem como maior acionista a norte-americana Digital Realty, tem pelo menos 24 instalações em operação no Brasil. Recentemente, a Ascenty anunciou que mais uma delas deve começar a operar até maio do próximo ano.
O chamado SP5 é o quinto data center da companhia na região metropolitana de São Paulo, e não será o último: duas novas unidades estão planejadas e o aporte deve somar R$ 1,5 bilhão, contou Rodrigo Radaieski, diretor de operações (COO, na sigla em inglês).
A política pública de estímulo, como previsto, acaba por incomodar fabricantes locais de equipamentos uma vez que estimula a importação de servidores e componentes. Diego Puerta, presidente da Dell no Brasil, fez ressalvas durante coletiva de imprensa no Dell Forum, em São Paulo. “O Brasil é o maior produtor de eletroeletrônicos do mundo ocidental. Em vez de importar, por que não desenvolvemos a indústria para produzirmos esses equipamentos aqui? O impacto nas oportunidades seria imensurável”, opinou Puerta no evento realizado no início de outubro.
Mais uma avaliação crítica partiu de Marco Stefanini, fundador da multinacional brasileira de tecnologia Stefanini. Para ele, investir no setor exige mais do que infraestrutura que relaciona os data centers. “O mesmo incentivo que foi dado aos data centers deveria ser dado ao que a gente chama de conteúdo de inteligência artificial, construção de softwares, soluções baseadas em IA”, disse o empresário.
Os vorazes data centers de IA
As iniciativas planejadas para o Brasil nos próximos anos devem tornar o país um destino importante na corrida para receber data centers voltados ao processamento de dados para inteligência artificial (IA).
Por ora, as operações instaladas por aqui são data centers convencionais, diferentes dos voltados à IA. Cada consulta a um chatbot, como o ChatGPT, é resultado do processamento, cruzamento e envio de milhares de dados, o que requer uma infraestrutura capaz de abrigar e – mais importante – resfriar servidores poderosos. Essas máquinas têm necessidade de sistemas mais complexos de resfriamento, que geram um alto consumo de água e energia. Data centers tradicionais trabalham com capacidade de 10 a 20 megawatts (MW). Já nos que atendem IA, isso varia de 50 a 100 MW no mínimo – o equivalente ao gasto enérgico de um município como Vinhedo (SP). Os investidores vão aportar um volume muito maior de recursos, já que equipamentos dessas operações podem custar a partir de US$ 10 bilhões.
Uma iniciativa público-privada anunciada pelo governo dos EUA em janeiro, o “Projeto Stargate”, envolve gigantes do porte de OpenAI e Oracle, e vai aplicar mais de US$ 500 bilhões (cerca de R$ 2,6 trilhões) em infraestrutura física e digital. Os data centers que atendem empresas de IA nos EUA têm gerado dor de cabeça: o preço da eletricidade no atacado subiu mais de 200% em cinco anos em áreas próximas a essas estruturas.
A iniciativa prevê a instalação de data centers fora dos EUA, em países onde há recursos renováveis em maior volume.
A Argentina vai hospedar o primeiro da extensão do Stargate na América do Sul, parceria entre OpenAI e Sur Energy, com aporte de US$ 25 bilhões.
A MP do governo federal inclui um capítulo crucial já observando o futuro dos data centers projetados para atender à necessidade de energia e água dos projetos relacionados à IA, visto que, para acessar os benefícios fiscais previstos, as empresas deverão utilizar energia limpa e sistemas de refrigeração fechados, que reaproveitem água já utilizada. Nesse cenário, companhias como a Casa dos Ventos – geradora de energa renovável e parceira da ByteDance na construção do data center do TikTok no Ceará – podem vislumbrar mais oportunidades se adaptados às exigências.
Vale lembrar que Casa dos Ventos e ByteDance assinaram um projeto com aporte de R$ 50 bilhões em Caucaia (CE). O estado nordestino vem atraindo olhares de investidores não só por sua concentração de cabos submarinos de fibra óptica, mas também por contar com uma Zona de Processamento de Exportação, parte do Complexo de Pecém, que garante vantagens tributárias para data centers.
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